Processados por tão pouco
Brasília, 28/09/2009 - O perdão a pessoas processadas por pequenos delitos como furtos vem conquistando alimentos vem conquistando respaldo do judiciário brasileiro. Conhecido como princípio da bagatela ou da insignificância, o procedimento de se anular uma ação desse tipo tem sido utilizado por ministros das mais altas cortes do País, como Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF).
O procurador de Justiça no Estado da Bahia e pesquisador do tema, Rômulo de Andrade Moreira, identificou 14 ações penais que foram anuladas pelo STF, entre 2008 e 2009, dentro do princípio da bagatela ou insignificância. Ele explica que para o réu ser atendido, o delito tem que se enquadrar em quatro condições essenciais: "mínima ofensividade da conduta, inexistência de periculosidade social do ato, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão provocada".
O conceito de bagatela ou insignificância não é uma lei, pois não está previsto em qualquer código. No linguajar do Direito, se baseia na jurisprudência, ou seja, na influência que uma sentença pode ter em processos futuros. Dentro desse pensamento há, tanto no STJ quanto no STF, vários exemplos em que magistrados optaram pela sensibilidade social, ou consideraram de pouco impacto para a sociedade o crime imputado a um determinado réu.
Em 2008, o ministro do STJ, Paulo Galotti, concedeu habeas-corpus a uma empregada doméstica presa pelo furto de um pote de manteiga, avaliado em R$ 3, 10. Na sentença, o magistrado entendeu que a ré fora mais vítima do que vilã da sociedade. Para ele, a mulher agiu em razão da desigualdade social. Além disso, foi considerada inofensiva do ponto de vista criminal.
Em novembro de 2008, o STJ também anulou o processo de um jovem que havia sido condenado, em São Paulo, a cinco anos e quatro meses de cadeia por furtar um boné. A relatora da matéria, a ministra Laurita Vaz, no seu voto, decidiu que cabia a insignificância por não ter havido consequência danosa à vítima e porque o boné foi devolvido.
Há situações em que a clemência não surte efeito. Em maio deste ano, o ministro do STF, Marco Aurélio, negou o pedido de Claudete Cardoso Anunciação. Condenada em Minas Gerais pelo furto de caixas de goma de mascar de R$ 98, ela apelou ao tribunal dizendo que agiu sob condição de fome. Na decisão, o ministro escreveu que "de início, seria dado acolher o pedido de suspensão", mas não concordou por causa dos antecedentes criminais dela.
No STF, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho é reticente. O temor do magistrado é que a jurisprudência sirva de incentivo a "uma pessoa começar a praticar grandes furtos".
O mesmo STJ rejeitou o conceito de bagatela pedido por um prefeito, que doou ilegalmente bens (um sofá e três mesinhas, estimados em R$ 400) do município. Em situações como esta, o entendimento é que improbridade administrativa não pode ser enquadrada na insignificância, independente dos valores envolvidos.
O secretário-adjunto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Alberto Zacharias Toron, alerta para a razão de utilizar o princípio. "Quando a coisa surrupiada (furtada) é de pequena monta, de bagatela, não se justifica que se movimente todo o aparato do Estado para punir alguém que não chegou a afetar um bem significativo, de valor. A punição custará mais à sociedade do que o próprio crime. Uma coisa é furtar o lap top; outra, uma banana, galinha e por aí vai. O senso comum fala a favor da ideia de que os casos lembrados por último não podem ser tratados da mesma maneira".
Toron explica que a OAB não tem posição fechada a respeito, "no entanto, vários dos dirigentes que atuam na área criminal, inclusive eu, sempre foram simpáticos ao reconhecimento do princípio da insignificância." Para ele, é preciso rever a ideia, "velha e ultrapassada, segundo a qual dura lex, sed lex (mesmo dura a lei deve ser seguida)".
A tese jurídica da bagatela ou insignificância surgiu na Roma antiga, civilização que deu contribuições ao Direito. A maior influência desse princípio vem do uso que países europeus fizeram no Século 20. A ideia ressurgiu por conta da penúria social a que as sociedades desses países foram expostas por causa das duas grandes guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945 ). O procurador de Justiça Rômulo de Andrade Moreira chama a atenção para o fato de que somente STJ e STF aplicam esse preceito. Isso significa que o processo percorreu duas ou três instâncias antes de ser anulado, quando reúne os requisitos da bagatela ou insignificância. (Jornal de Brasília)