Tornozeleiras: Controle ou estigma?
Brasília, 26/05/2010 - Com um deficit carcerário de exatas 139.266 mil vagas, o governo federal vai colocar em prática o monitoramento eletrônico para presos que cumprem pena em regime aberto. Em princípio, a medida prevista em projeto de lei aprovado pelo plenário do Senado e já encaminhado para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não deve causar grandes impactos no sistema prisional do país. Dos 473.626 detentos brasileiros, apenas 19.458 (algo próximo de 4,1% da população total) fazem parte do grupo que poderá usar as tornozeleiras ou pulseiras, instrumentos capazes de informar a localização, o horário e a distância de quem as usa.
A aprovação do projeto no Congresso é o primeiro passo de uma proposta mais ambiciosa a ser implementada pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen): soltar aproximadamente 80 mil presos, cerca de 17% da população total de detentos do país. Vigiados eletronicamente, os presidiários de baixa periculosidade deixariam as celas para dar lugar aos cerca de 4 mil novos presos que ingressam anualmente no sistema penitenciário. A medida é uma das soluções que o governo encontrou para minimizar a superlotação das cadeias.
Preocupado com a aprovação do projeto, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, diz que o texto agride a dignidade do ser humano. O Estado está transferindo a pena do condenado da prisão para a família. Ninguém vai querer sair de casa com uma tornozeleira ou pulseira eletrônica , acredita. Essa proposta não tem a consistência necessária para reduzir a superpopulação carcerária. É subjetivo. Ophir também cita a pressão dos empresários do setor. Há uma insistência , acrescenta ele, ao informar que a OAB deve criar uma comissão para analisar o teor do projeto. Podemos pedir que o presidente Lula vete parte da proposição.
Cada preso do sistema penitenciário do Brasil custa, em média, R$ 1,6 mil por mês. Com o uso das tornozeleiras ou das pulseiras eletrônicas, esse valor poderia cair para aproximadamente R$ 400, sem incluir o gasto pessoal necessário para a manutenção da fiscalização. Mesmo com essa economia, a deputada federal Marina Maggessi (PPS-RJ), ex-chefe da Coordenadoria de Inteligência da Polícia Civil fluminense, é resistente a esse tipo de monitoramento. Sou totalmente contra. Acho que é uma maneira de se controlar, mas também de se estigmatizar as pessoas. Elas vão ter uma marca em seu corpo.
A parlamentar, que atuou por quase 20 anos na Polícia Civil do Rio de Janeiro, suspeita dos valores a serem gastos com o monitoramento eletrônico no país. Vai se gastar muito dinheiro. Soube que só três firmas americanas têm a tecnologia, e no Brasil, só uma. Acho isso muito perigoso. Não vejo grandes vantagens nisso porque, com certeza, os presos vão arrumar maneiras de tirar. Quem quiser fugir vai tirar. Se até um chip implantado sob a pele eles conseguem remover, imagine uma pulseira , opina Marina.
Adotado em alguns estados norte-americanos, na França, na Inglaterra, no Canadá, na Nova Zelândia, na Suécia e em Portugal, o monitoramento eletrônico para presos está em teste nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraíba. Pernambuco, Distrito Federal e Alagoas já utilizaram a novidade. O Rio Grande do Sul é a próxima unidade da Federação a experimentar as tornozeleiras em parte de seus detentos. Procurado pela reportagem desde sexta-feira passada, o Depen, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, não retornou as ligações até o fechamento desta edição. Limitou-se a enviar, por e-mail, um quadro geral com o número de detentos que cumprem penas no sistema carcerário e nas delegacias de polícia. (Correio Braziliense)