Ophir: Tancredo foi bravo colega que contribuiu para uma sociedade mais justa
Brasília, 22/06/2010 - Ao discursar em sessão plenária da Ordem dos Advogados do Brasil que comemorou hoje (22) o centenário de nascimento do presidente Tancredo Neves, o presidente nacional da entidade, Ophir Cavalcante, qualificou o ato como "homenagem dos advogados brasileiros a um de seus mais bravos - podemos chamá-lo assim - colegas, cujo exemplo de vida contribuiu, e continua a contribuir, para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária". Ophir fez um paralelo entre as lutas da OAB e de Tancredo, o advogado e político mineiro que pôs fim ao ciclo dos presidentes-generais, mas caiu enfermo em 14 de março de 1985, um dia antes de assumir a Presidência da República, e morreu um mês depois. "Como Tancredo, a Ordem dos Advogados do Brasil sempre acreditou no poder transformador que brota dos debates nas ruas e nas entidades representativas da sociedade civil. Como Tancredo, nossa instituição não se cala diante das injustiças".
A seguir, o discurso do presidente nacional da OAB em homenagem ao centenário de nascimento de Tancredo Neves, que se completou em 4 de março:
"Senhoras e Senhores,
Impossível não me emocionar nesta singela homenagem ao centenário de nascimento de Tancredo Neves.
Impossível também não recordar aquele 14 de março de 1985. Tinha eu 24 anos de idade, ainda jovem, e como tantos milhões de brasileiros, na grande expectativa de assistir, no dia seguinte, a posse do Presidente que reconduziu o Brasil ao caminho democrático, encerrando o terrível ciclo de presidentes-generais. Mas Tancredo só entraria no Palácio do Planalto, dias depois, no caixão, morto.
A posse que nunca houve frustrou a Nação, mas o homem Tancredo Neves, não. Ele foi, sem nenhuma sombra de dúvida, um dos mais honrados homens da política brasileira.
Quem o conheceu em vida logo identifica um paralelo entre sua ação política, pragmática mas radical em seu projeto de soberania, e a noção de Justiça.
Formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, Tancredo teve como fonte inspiradora para o nacionalismo e princípio republicano, marcas registradas de sua trajetória política, o "Manifesto dos Mineiros", de 1842, que se insurgia contra a submissão dos governantes nacionais aos interesses estrangeiros.
Este legado permanece vivo. Eternizou-se, mesmo quando somos obrigados a reconhecer a orfandade a que se referiu certa vez Oswaldo Aranha, ao constatar que o Brasil tornou-se um deserto de homens e de idéias.
Lembrar Tancredo agora nos permite sonhar com flores no deserto, como diz a canção, mas um sonho real, ao lado de um povo heróico, bravo e vigoroso.
Tancredo nunca foi pessimista com relação ao Brasil. Também não o somos.
Como Tancredo, a Ordem dos Advogados do Brasil sempre acreditou no poder transformador que brota dos debates nas ruas e nas entidades representativas da sociedade civil. Como Tancredo, nossa instituição não se cala diante das injustiças.
Um exemplo do caráter humanista inerente aos homens do Direito pode ser dado quando, ainda governador de Minas, ele enfrentou uma marcha de protesto de metalúrgicos em greve. Longe de recorrer à força para reprimir a marcha que ocupava as ruas da capital mineira, Tancredo buscou o diálogo. E mais do que isso: convidou os trabalhadores para realizar a manifestação, em segurança, nos jardins do Palácio da Liberdade, manifestando solidariedade com o movimento. Com isto, Tancredo abriu o caminho para a retomada das negociações com os patrões e encerrar a greve.
Homem de visão, homem do Direito, Tancredo Neves permanece atual, impressionantemente atual, como podemos depreender das palavras que iria proferir naquele fatídico 15 de março 1985. Elas são revestidas de um dom profético, e talvez por isto calam fundo em nossa memória.
Entre aspas.
"Temos construído esta nação com êxitos e dificuldades, mas não há dúvida, para quem saiba examinar a história com isenção, de que o nosso progresso político deveu-se mais à força reivindicadora dos homens do povo do que à consciência das elites. (...) A pátria dos pobres está sempre no futuro e, por isso, em seu instinto, eles se colocam à frente da História".
Outro trecho:
"Já vivemos, nas grandes cidades brasileiras, permanente guerra civil (...). É natural que todos reclamem mais segurança nas ruas, e é dever do Estado garantir a vida e os bens dos cidadãos. Essa garantia, sabemos todos, não será oferecida com o aumento do número de polícias, ou com a multiplicação dos presídios. É muito mais fácil entregar ferramentas aos homens do que armá-los, e muito mais proveitoso para a sociedade dar pão e escola às crianças abandonadas, do que, mais tarde, segregar adultos criminosos. A história nos tem mostrado que, invariavelmente, o exacerbado egoísmo das classes dirigentes as tem conduzido ao suicídio total".
E, para finalizar, ainda esta passagem:
"Temos de ampliar o mercado interno, o único com que podem contar permanentemente os empresários brasileiros. Não se amplia o mercado interno sem que haja mais empregos e mais justa distribuição da renda nacional".
Fecha aspas.
Este era Tancredo Neves de 1985. Este continua sendo Tancredo Neves, o centenário homem coletivo, o eterno combatente cuja imagem guardamos como a de um menino, cheio de energia, de esperança, e, ao mesmo tempo munido de coragem física e moral para resistir a um regime que prendia, torturava e censurava a imprensa.
Escreveria mais tarde o jornalista Mauro Santayana, que o assessorou por mais de vinte anos, que Tancredo, como homem da região do garimpo, sabia que todos os dias são de cata, de olhos atentos no fundo da batéia, de mãos seguras no tateio dos grãos esquivos entre os seixos inúteis, a argila pegajosa e os cristais de brilho falso. Tancredo desprezava os agravos recebidos, como se desdenham os cascalhos opacos.
Os advogados brasileiros prestam sua homenagem a um de seus mais bravos - podemos chamá-lo assim - colegas, cujo exemplo de vida contribuiu, e continua a contribuir, para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Eternamente Tancredo.
Muito obrigado".