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Entrevista: Uma OAB mais ativa

Rio de Janeiro, 01/02/2010 - A entrevista "Uma OAB mais ativa" foi publicada na edição de hoje (01) do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro:
Ophir Figueiras Cavalcante é o novo presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ele foi eleito para cumprir um mandato de três anos em pleito realizado ontem, na sede da entidade, em Brasília. Cavalcante foi candidato único e obteve 79 dos 80 votos do pleito. Um conselheiro não votou. Ele concorreu pela chapa Por uma Advocacia Forte com a promessa de elevar a prerrogativas da advocacia de forma mais intensa e combativa. Em entrevista ao Jornal do Commercio, pouco antes da eleição, ele disse que pretende desenvolver um trabalho articulado com as seccionais e lutar pela aprovação do projeto de lei, em curso no Senado, que visa responsabilização criminal daqueles que violarem as garantias da categoria. No que diz respeito à sociedade.

Cavalcante afirmou que sua gestão se pautará no combate à impunidade, principalmente em relação aos crimes de colarinho branco. Nesse sentido, pretende lançar o observatório da corrupção."Vamos reunir todas as entidades interessadas em identificar os processos no Judiciário que digam respeito a corrupção e vamos passar a monitorá-los, para informar a sociedade brasileira e cobrar do Judiciário uma decisão", explicou o advogado. Cavalcante nasceu tio Pará, tem 49 anos e é profissional da área jurídica há 26 anos. Foi conselheiro, vice-presidente (1998/2000) e presidente da OAB paraense (2001/2006). Sua posse como presidente ocorre hoje à noite, em solenidade no Centro de Convenções Brasil XXI, também em Brasília.

P - Quais são os seus planos para a OAB?

R - Sou advogado do foro, que milita há 26 anos. Conheço a realidade da advocacia brasileira. Viajei por todo o País, sobretudo a região amazônica. Fiz audiências no interior do Pará, em locais em que para se chegar precisa-se de barcos ou aviões pequenos. A realidade da advocacia vitoriosa, aguerrida, séria e competente, que enfrenta uma série de dificuldades no seu diaa-dia. de estrutura e outras relacionadas a uma incompreensão de seu papel. O advogado tem a missão, diria que histórica e sagrada, de promover a defesa, que é fundamental no Estado Democrático de Direito. É importante que a defesa seja, cada vez mais, blindada contra abusos de autoridade. Por isso que a Ordem, tendo isso muito mais como um valor da sociedade do que propriamente dos advogados,defende as prerrogativas da advocacia, que, na verdade, são conquistas da sociedade.

P - Ainda são comuns as violações?

R - Sim, elas ocorrem diariamente e são as maiores possíveis. Os advogados são impedidos de entrar nos fóruns ou têm que marcar hora para falar com o juiz ou o promotor, quando estes o recebem. Os advogados têm muita dificuldade para exercitar seu papel. Para ser ter uma ideia, a gestão de Cezar Britto (que o antecedeu) teve que ir ao Supremo Tribunal Federal pedir a edição de uma súmula vinculante, mais tarde a de número 14, para assegurar aos advogados o acesso aos autos. Então, o processo era sigiloso até para o próprio advogado do acusado. Defendemos o fortalecimento do Judiciário. No entanto, vamos avançar muito mais.Vamos trabalhar no sentido de responsabilizar as pessoas que cometerem abuso de autoridade. A Ordem vai ao Legislativo atrás de uma legislação que permita a criminalização daqueles que violam das prerrogativas, seja ampliando a Lei de Abuso de Autoridade já existente, dando legitimação concorrente para que a OAB acione penalmente as autoridades, seja aprovando uma nova lei. Já foi aprovado pela Câmara um projeto nesse sentido. Este agora se encontra em pauta no Senado.

P - Setores da magistratura e do Ministério Público condenam esse projeto. Dizem que a aprovação dele poder adoar a relação entre a advocacia e os integrantes dessas carreiras. Como o senhor avalia essa questão?

R - Não vejo dessa forma. Em primeiro lugar, esse acirramento parte de um segmento da magistratura e do MP minoritário, que não compreende o real papel do advogado e a sua importância para a democracia e o equilíbrio de forças dentro do processo.Temos o juiz para decidir, o Ministério Público para acusar e o advogado para defender. Os três fazem parte do fenômeno judicante. Não pode haver desequilíbrios: o juiz com prerrogativas, que tem que ter, como a inamovibilidade, a irredutibilidade de vencimentos e vitaliciedade; o MP também com uma série de garantias, inclusive essas; e a advocacia sem qualquer tipo de proteção. Então, não é compreensivo que haja esse tratamento diferenciado. O advogado precisa dessa proteção, que na verdade é da sociedade.

P - A OAB teve, no gestão anterior, atuação marcante em relação a temas mais relacionados à sociedade, como nas ações movidas contra a emenda que alterou o regime de pagamento de precatórios e com a que visava abertura dos arquivos da ditadura. Que atenção o senhor dará a essas questões em sua gestão?

R - Esse é o papel histórico da OAB. A entidade tem uma missão institucional, que a diferencia dos demais conselhos de classe.É a única que tem assento constitucional para ingressar com ações diretas de inconstitucionalidade ou arguição de descumprimento de preceito fundamental. Isso justamente por causa do aspecto diferenciado da advocacia. Isso é fundamental para que a gente possa exigir, como representante da sociedade civil, que se cumpra a Constituição.

P - Na sexta-feira, a procuradoria geral da República, encaminhou parecer contrário à ação da OAB...

R - O Ministério Público tem todo o direito de se posicionar contra ou a favor. A Ordem, no entanto, continuará nessa luta. Entendemos que o direito é na verdade importante para que possamos, a partir dos nossos erros, construir uma nova história nesse País. Não abriremos mão dessa ação. O Supremo Tribunal Federal está ciente de que a Ordem não quer vingança, mas apenas que a verdade venha à tona, para que as pessoas possam colocar uma pedra de cal em determinado episódios de suas vidas. Muitas pessoas não sabem onde estão enterrados seus parentes. Só o Estado poderia resgatar isso. Agora, no que diz respeito a acionar penalmente, se prescreve ou não... Essa é uma discussão que virá em consequência disso. O que a Ordem quer é a verdade.

P - No que diz respeito à defesa da sociedade, quais são seus planos?

R - Vamos fazer um combate firme e corajoso contra a corrupção e a impunidade. A sociedade hoje chegou a um nível de saturação tão grande que as pessoas deixaram de crer nas instituições, na classe política, justamente por conta dos desmandos e caixas dois e da profanação do dinheiro público por maus políticos, que a gente vê. Queremos que a corrupção seja identificada e punida. Chega de muita retórica. Precisamos de ação. Claro que queremos que haja respeito ao devido processo legal, até porque a Ordem jamais poderia abrir mão disso. No entanto, a OAB quer que haja a estruturação do Judiciário de modo que possamos ver as consequências.

P - O senhor pretende lançar uma campanha nesse sentido?

R - Vamos lançar o observatório da corrupção.Vamos reunir todas as entidades interessadas em identificar os processos no Judiciário que digam respeito à corrupção e vamos passar a monitorá-los, para informar a sociedade brasileira e cobrar do Judiciário uma decisão.

P - Como isso ocorrerá?

R - Estamos ainda construindo isso. Vamos convidar outras entidades que tenham interesse em combater a corrupção. Elas serão muito bem-vindas. Vemos tantas operações da Polícia Federal, algumas espetaculosas, mas até agora não sabemos de alguém que realmente tenha sido punido. A Ordem condena o espetáculo, mas entende que foi feito um trabalho e que este precisa de uma resposta, que é justamente a punição.

P - Em relação aos advogados infratores, o que será feito?

R - O presidente Cezar Britto criou, em sua gestão, a corregedoria nacional da OAB. Vamos estruturar esse órgão, para que ele possa monitorar todos os processos políticos e disciplinares existentes no Brasil, para que não haja prescrições em relação a eventuais punições que são impostas a alguns advogados, por desvio de recursos ou outras questões consideradas como falta disciplinar. Com isso a Ordem estará fazendo seu dever de casa.