Editorial: O conselho do Executivo
Curitiba (PR), 27/10/2010 - O editorial "O conselho do Executivo" foi publicado na edição de hoje (27) do jornal Gazeta do Povo, do Paraná:
"O surgimento de iniciativas em diversos estados brasileiros de criação de conselhos de meios de comunicação pode levar à perda da noção de o que significa a liberdade de expressão no país. Os direitos à liberdade de expressão, opinião e imprensa, inscritos na Constituição da República, envolvem todos os entes federados. São liberdades garantidas a todos os cidadãos, não podendo se falar em modelos regionais de regulação e monitoramento desses direitos.
Com maior ou menor sucesso, pelo menos cinco governos estaduais vêm tratando da criação de conselhos de mídia, a fim de monitorar e regular as atividades de veículos de comunicação. No Piauí, parecer contrário da Procuradoria-Geral do Estado fez o governo desistir da criação do conselho de comunicação. O entendimento da procuradoria é que somente a União detém a competência para legislar sobre a matéria.
Já no Ceará, a proposta da criação do conselho está sob análise do governador Cid Gomes (PSB). Em São Paulo, projeto semelhante ao do Ceará vem sendo discutido. Na Bahia, o governador Jaques Wagner (PT) está elaborando um parecer sobre o projeto para, então, apresentá-lo para análise da Procuradoria do Estado. O caso baiano é mais grave, pois o governo já anunciou que pretende vincular o conselho de mídia à Secretaria de Comunicação. Em outras palavras, o Poder Executivo local pretende estabelecer regras para a mídia baiana.
O estado em que o tema está mais avançado é o de Alagoas, no qual já existente conselho de mídia, que hoje tem apenas caráter consultivo sem poder de decisão podendo vir a ser transformado em deliberativo. Assim, passaria a regular o conteúdo veiculado pelos meios de comunicação.
É claro que o discurso da criação de conselhos sempre vem acompanhado de boas intenções. No Piauí, onde o tema é debatido desde 2008, o objetivo seria denunciar atitudes preconceituosas de gênero, sexo, raça, credo e classe social dos veículos de comunicação.
Entretanto, a ingerência do Poder Executivo na área de comunicação pode facilmente se desvirtuar para a tentativa de censura, como tem ficado bastante claro em países como a Venezuela e na Argentina, em que a atuação fiscalizadora da imprensa tem levado a diversos atos dos governos contra os veículos de comunicação.
É importante ficar atento a esses movimentos estaduais pela criação de conselhos de comunicação . As diversas iniciativas estaduais de criação de conselhos podem ser o início de um movimento para a criação de um controle social sobre os meios de comunicação no país em nível federal. Conforme publicou a Gazeta do Povo ontem, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, considera existir um movimento concertado entre lideranças políticas para restringir o papel da imprensa. Já o diretor-geral da Associação Brasileira das Empresas de Rádio e Televisão (Abert), Luís Roberto Antonik, essa sucessão de projetos pode levar o governo federal a considerar que conselhos de mídia estão sendo criados por pedido da sociedade . Se isso acontecer, na verdade não se tratará de clamor popular, mas de populismo.
Liberdade de imprensa exige responsabilidade. Nos casos de abusos, sempre existe a possibilidade de se recorrer ao Poder Judiciário, que irá verificar se houve exageros, ou desvios de condutas dos veículos de comunicação que mereçam ser reparados. Vale lembrar que, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa em abril do ano passado, entendendo que o direito à liberdade de expressão não pode sofrer restrições prévias. Entretanto, com a revogação da lei, alguns institutos, como o direito de resposta, ficaram sem regulamentação. Em vez de nossas lideranças políticas prosseguirem em suas tentativas reiteradas de controle da mídia, melhor seria buscar a via legislativa para acabar com lacunas deixadas pela revogação da Lei de Imprensa.