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Editorial: A queda de Arruda

Recife (PE), 19/02/2010 - O editorial "A queda de Arruda" foi publicado na edição de hoje (19) do Jornal do Commercio (PE):

"A situação em Brasília tornou-se insustentável desde que imagens do governador José Roberto Arruda recebendo maços de dinheiro foram ao ar, três meses atrás. A decretação da prisão do governador é um desfecho agudo do que já deveria ter acontecido o afastamento de Arruda do posto, a partir da força constrangedora das imagens repetidas vezes exibidas na TV. Em casos como esse, o ideal seria que o afastamento fosse automático, ou que o próprio envolvido tomasse a iniciativa de licenciar-se.

Agora, duas constatações imediatas podem ser feitas, após a decisão inédita do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que determinou a sua prisão preventiva, reservando ao ex-senador um lugar nada honrado na história. Suspeito de atrapalhar o processo judicial, e tentar subornar uma testemunha dos crimes, obstruindo a Justiça, Arruda é o primeiro governador preso desde o início da chamada redemocratização, em 1985.

A primeira constatação é que a crise gerada pelo anúncio da prisão de um governador, em circunstâncias definidas pela investigação de esquema de corrupção pela Polícia Federal, não é suficiente para produzir uma crise institucional de largas proporções no País. Pelo contrário, a pronta resposta de apoio à decisão do STJ, por parte de entidades como a Associação Nacional de Procuradores da República, o Ministério Público Federal, a Associação dos Magistrados do Brasil e a Ordem dos Advogados do Brasil, bem como da maioria da opinião pública, também representada pelos grandes meios de comunicação, deu ao fato inusitado os contornos de medida necessária.

Nenhum sobressalto foi causado pelo argumento do relator do caso no STJ, ministro Fernando Gonçalves, apontando a ameaça da permanência do poder político e econômico da organização criminosa que se instalou no governo do Distrito Federal . Até porque as desconfianças de generalizada corrupção no governo do Distrito Federal não são novas, atingindo o seu antecessor, Joaquim Roriz.

Às vésperas do Carnaval, a política nacional foi tomada de surpresa - mas não de susto, como seria de esperar até passado recente. A verdade é que poucos esperavam que o governador do Distrito Federal viesse a ser alçado do posto antes do término do mandato - nem ele próprio, a julgar pela demonstração de escárnio em declarações públicas e pela intensa movimentação de bastidores objetivando o controle do jogo sucessório. O procurador-geral, Roberto Gurgel, aproveitou o caminho aberto pelo STJ para solicitar intervenção federal no DF. Na justificativa do pedido, Gurgel falou em sintonia com a decisão do STJ, ao referir-se à organização criminosa encastelada no governo, com indícios de um esquema criminoso de apropriação de recursos públicos.

O amadurecimento das instituições, portanto, parece ser a primeira conclusão consensual a respeito do episódio da detenção do governador Arruda por ordem da Justiça. A segunda constatação é de natureza negativa, pois afinal, não é possível retirar a gravidade de um fato como esse para a história política da Nação. No ano em que comemora o cinquentenário de inauguração, a capital federal volta às manchetes em péssimo estilo, reforçando a visão popular de que o centro do poder construído por Juscelino Kubitschek transformou-se no grande polo da corrupção nacional.

É triste ver Brasília consumida pelas entranhas, revoltante assistir a cenas de explícita roubalheira do dinheiro do cidadão. Como centro do poder corrupto, Brasília emerge como modelo da anticapital, lugar onde se planejam e executam assaltos ao erário - e não apenas no âmbito do Distrito Federal, conforme denunciado pouquíssimo tempo atrás pela Procuradoria-Geral da República, a respeito dos primeiros mensaleiros, integrantes da base do governo Lula no Congresso. Temos esperança de que Brasília comece os próximos 50 anos renovada pela instauração da ordem judicial sobre a desordem política. A capital da corrupção ainda é vista como a capital da impunidade. Para o bem de todos os brasileiros, é imprescindível que essa percepção mude, com os corruptos que agem na capital do País temendo a inevitável punição, em vez de continuarem certos de que sempre sairão ilesos com os bolsos, as meias e as cuecas cheios de dinheiro sujo."