Crimes de jovens preocupam especialistas
Hoje é o Dia do Desarmamento Infantil, criado para chamar a atenção sobre a criminalidade infantojuvenil
IÇARA BAHIA
Hoje, no Dia do Desarmamento Infantil (instituído no País para chamar a atenção da sociedade sobre os altos índices de crianças e adolescentes armados no Brasil), especialistas e gestores não chegam a um consenso sobre as causas e motivações do aumento de crimes cometidos por menores de 18 anos.
A partir do assassinato do advogado Lucas Lorenzo Trigo, última terça-feira, pelo garoto César Ferreira Santana, de 13 anos, questiona-se o motivo de adolescentes cada vez mais jovens serem os responsáveis por crimes cada vez mais graves.
Para Silvia Ramos, cientista social e coordenadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Cidadania (Cesec), da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, o fato de o adolescente ser mais jovem não quer dizer que ele vá produzir violência em menor proporção. "Jovens muito novos com porte de arma têm reações mais cruéis que os mais velhos. Não é um caso excepcional, mas também não é uma regra. Esse não é o primeiro caso", ela analisa.
Um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), em 2005, revelou que mais de 200 mil crianças e jovens de cinco capitais brasileiras já tiveram acesso a armas de fogo dentro de escolas públicas e privadas do Brasil. O estudo não é recente, mas o caso do garoto baiano, que matou e acabou morto pela polícia, comprova que as armas continuam acessíveis.
O secretário estadual da Segurança Pública, César Nunes, acredita que a falta de valores é o motivo pelo qual os jovens fazem parte do crime cada vez mais cedo. "É a falta de valores religiosos, de valores familiares. Falta de educação", afirma o gestor.
Segundo ele, a quantidade de armas no País é muito grande, o que dificulta a fiscalização.
"Nunca existiu um controle muito estreito para garantir que essas pessoas não terão acesso às armas. Precisamos dar continuidade à campanha do desarmamento", diz
Causas
"Por que um jovem de 14 anos está solto, nas ruas, com uma arma na mão? Nós estamos obrigados a interferir e a intervir nas causas que levam um adolescente a ter acesso a uma arma", coloca Vera Leonelli, advogada e coordenadora do Jus Populi, organização sem fins lucrativos em direitos humanos.
Para ela, faltam oportunidades e projetos de vida para que esses jovens se distanciem dessas situações de risco: "Políticas públicas em educação, assistência e profissionalização diminuem as possibilidades de eles trilharem esses caminhos".
Silvia Ramos acredita que o acesso às armas deve ser, de fato, impedido. "Um jovem aos 14, 15, 16 anos com uma arma na mão se sente um superhomem. É mais fácil desarmálos do que penalizálos. Arma na mão é uma tragédia anunciada", completa a cientista social.
Mídia
O advogado do Centro de Defesa da Criança e do Adolescente Yves de Roussan (CedecaBA ), Maurício Freire, discorda que os mais jovens sejam os responsáveis pelos crimes mais graves. "O que acontece é uma grande repercussão midiática. Não são adolescentes que cometem mais ilícitos graves. Esses são casos pontuais. As estatísticas apontam que não há essa intensificação", afirma.
Para ele, o aumento dos crimes cometidos deve ser atribuído, em primeiro lugar, à família. "Depois à sociedade e, em seguida ao Estado. Não estamos aqui para culpar o Estado de tudo", enfatiza.
"Nós estamos obrigados a intervir nas causas"
VERA LEONELLI, coordenadora da ONG Jus Populi
"Faltam valores religiosos, familiares e educação"
CÉSAR NUNES, secretário da Segurança Pública
"As estatísticas apontam que não há essa intensificação"
MAURÍCIO FREIRE, advogado do Cedeca-BA
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Silêncio da família marca sepultamento de Lucas
SAMUEL LIMA
Os familiares do advogado Lucas Lorenzo Trigo, vítima de latrocínio, preferiram o silêncio durante o funeral do jovem, realizado na tarde de ontem, no Cemitério Jardim da Saudade. Nenhum dos parentes se dispôs a falar com a imprensa, abalados com a ação criminosa que tirou a vida do rapaz de 27 anos.
O advogado Luiz Cláudio Guimarães, amigo de Lucas, foi designado pela família da vítima para atender equipes de reportagem. "A família está inconsolável, pois se tratava de um rapaz gentil, terno, além de um profissional zeloso, que venceu muitas dificuldades para concluir seu curso de direito", afirmou Guimarães. Lucas se formou na Universidade Católica do Salvador e recebeu registro da Ordem dos Advogados do Brasil há um ano e meio. Guimarães disse acreditar que Lucas não teria reagido.
"Ele levou o tiro no lado do rosto, de surpresa. Isso que aconteceu com ele é um sintoma da grave patologia que Salvador sofre hoje. É uma falta de políticas públicas na área de Segurança Pública", disse o amigo.
Ele também defendeu que as punições contra adolescentes em conflito com a lei deveriam ser mais severas: "Estamos à mercê da menor idade delinquente. É preciso revisar o Estatuto da Criança e do Adolescente, que foi criado em circunstâncias sociais diferentes".
ADOLESCENTE FOI SEPULTADO EM BROTAS
O adolescente César Ferreira foi sepultado no Cemitério de Brotas na tarde de ontem. Familiares do garoto pediram à equipe de A TARDE para não ir ao funeral
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Insegurança aflige quem trabalha e moras no Horto
SIDNEI MATOS
A insegurança no Horto Florestal, com suas mansões e condomínios, vem preocupando moradores. Um vigilante que trabalha há seis anos na segurança de estabelecimentos comerciais, disse que, na ladeira por onde fugiu um dos assaltantes do advogado Lucas Lorenzo, roubos e abordagens a transeuntes têm sido frequentes. Na Rua Santa Luzia e Av. Waldemar Falcão, diz ele, o fato se repete. "A segurança aqui está horrível, somos nós e Deus", afirmou o vigilante, que trabalha sem arma.
No Condomínio Alba Longa, a poucos metros do local do crime, o supervisor de segurança, Gilson Pestana, 43, lembra que há cerca de um mês, um dos moradores foi seguido por ladrões até a portaria do condomínio e teve R$ 15 mil levados por homens em uma moto. "Assalto aqui é com frequência e nos engarrafamentos, muitos também", afirmou Gilson, dizendo que uma cooperação entre uma central de telefonia e a 26ª Companhia da PM (Brotas) está sendo planejada.
Em greve desde ontem, trabalhadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), lembram que sequestros-relâmpago a estudantes da instituição e alunos de colégios acontecem à luz do dia. "A nossa preocupação não é só com os funcionários, mas com todo o entorno", disse o servidor da Fiocruz, Adilson Sampaio, 36 anos.
Trânsito
A lentidão no trânsito é apontada como um dos fatores que, com o pouco policiamento ostensivo, contribui para os assaltos. Prometendo erguer uma faixa para cobrar novamente da PM uma estratégia de segurança para o local, como já havia sido acertado em reunião da associação de servidores da entidade (Asfoc) com a 26ª CIPM, em 2009, a funcionária Maria de Queiroz também protestou: "O que a gente reivindica é mais rondas, principalmente por volta das 19h, e um melhor controle do trânsito na Waldemar Falcão, que o dia inteiro fica engarrafado".
O engarrafamento na Rua Santa Luzia (transversal à avenida), combinado a um intervalo de tempo curto nos semáforos, seria também, segundo ela, responsável pelo caos que emperra o fluxo.
Por telefone, o comandante da 26ª CIPM, major Antônio Arnaldo da Silva Neto, informa que, de fato, até o momento, nenhuma comunicação com a Superintendência de Trânsito e Transporte do Salvador (Transalvador) foi feita para pensar a segurança integrada ao trânsito.
Por outro lado, informou que rondas policiais são feitas regularmente no Horto.
Em greve, servidores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) pedem segurança