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Cortes especiais na África do Sul causam polêmica com julgamentos rápidos e severos

Mais uma Copa do Mundo chega ao fim neste domingo, 11 de julho. Além das vitórias ou derrotas esportivas, o campeonato mundial deste ano, realizado na África do Sul, chamou a atenção dos noticiários pela preocupação com a segurança dos turistas, atletas e cidadãos locais. Para julgar pequenos delitos, como furtos, roubos ou falsificação de ingressos, foram instaladas 56 cortes especiais, responsáveis por sentenças rápidas e severas. Para especialistas brasileiros, ouvidos por Última Instância, a determinação da Fifa (Federação Internacional de Futebol) pode ser considerada polêmica e responsável por decisões "injustas".

A pedido da Federação, foram feitas adaptações no trâmite dos processos criminais em curso no país, nas leis de proteção de marcas e patentes, e até no Código Tributário sul-africano. Por conta do alto índice de criminalidade que assola o país, durante a Copa, todo crime ocorrido em estádios ou áreas relacionadas ao torneio, que tenham sido cometidos contra ou por visitantes que foram à África do Sul por causa do evento, deveriam ser julgados nessas cortes, que ainda funcionarão durante as próximas duas semanas. Para o criminalista Fernando Fernandes, a medida é um "absurdo".

Citando um artigo do jurista Dalmo Dallari, Fernandes lembra que é importante não confundir judiciário com Justiça. Processos como o das cortes especiais, acelerariam o tempo de julgamento do judiciário, "mas resultariam em injustiça". Segundo ele, "a celeridade de uma ação judicial é importante, ninguém deseja que a Justiça seja morosa. Mas, confundir rapidez com aceleramentos que ofendem os direitos e garantias individuais, tornando os julgamentos abusivos, é um ideal de injustiça".

Já para o presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), Mozart Valadares, não há como negar a eficácia de julgamentos mais rápidos, principalmente no caso de um evento temporário. Porém, ele reforça a necessidade de tornar a estrutura do judiciário permanentemente veloz.

No caso da Fifa determinar que o Brasil, país sede do próximo Mundial em 2014, também deve adotar as cortes especiais, Valadares recomenda: "Por que não aproveitamos esse evento de destaque internacional para estruturar melhor os nossos tribunais, para que eles possam dar respostas mais rápidas, não só aos espectadores da Copa, como também ao cidadão brasileiro?".

O ex-juiz e criminalista Luiz Flávio Gomes lembrou ainda do conjunto de garantias que deveriam ser observadas e respeitadas se as cortes especiais fossem instaladas no país. Segundo ele, essas garantias "fazem parte do nosso devido processo legal".

Entretanto, no entendimento de Fernandes, seria impossível acatar um pedido nesse sentido. Primeiro, constitucionalmente, já que a Carta Magna veda a criação desse tipo de corte, conhecido como "tribunal de exceção". E, segundo, porque "seria evidentemente ofensivo à soberania do país". Para ele, "a África do Sul não reagiu de forma democrática e institucionalmente correta".

Fernandes afirma que muitos dos princípios quebrados pelas cortes especiais são garantidos também por pactos internacionais assinados pelo Brasil. De acordo com o advogado, as medidas ofendem os direitos naturais do cidadão, previstos não só na Constituição, "mas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto de San José da Costa Rica e em inúmeros textos internacionais".

Exemplo concreto

Na África do Sul, um dos casos que mais chamou a atenção foi protagonizado por uma dupla de zimbabuanos. Bright Madzidzi e George Magubane assaltaram jornalistas portugueses e espanhóis, em Johannesburgo. Impressionantes dois dias depois, a corte especial determinava pena de 15 anos para cada um. Um terceiro participante do roubo, o nigeriano Ndubuisi Odungwa, pegou quatro anos.

O crime, cometido em 9 de junho, foi julgado em dois dias e resultou em pena alta. Comentando o caso, Fernandes afirmou que uma condenação dessas "é um indício de que se trata de um tribunal de exceção".

O porta-voz da Promotoria Nacional da África do Sul, Mthunzi Mhaga, em entrevista à Agência Brasil, afirmou que as cortes especiais preservam todos os direitos dos processados e ainda garantem que os julgamentos contem com testemunhas que estão no país durante a Copa. "Muitas pessoas estão aqui por um mês. A corte consegue reunir todas as testemunhas e fazer um julgamento mais rápido", observou. "Se essas testemunhas forem embora, será muito difícil trazê-las de volta para uma sessão."

Se medidas de exceção forem adotadas no Brasil, Fernandes acredita que a Justiça brasileira poderá ser questionada em cortes internacionais de direitos humanos. Nesse caso, para o advogado, "é evidente que a Fifa também deve responder conjuntamente com o país".

Interesses comerciais

Uma das principais críticas à atuação dos tribunais também diz respeito à defesa de interesses mercadológicos da própria Fifa. O principal exemplo é o caso do grupo de torcedoras holandesas que, usando vestidos da cor laranja, típica da marca de cervejas Bavaria, realizaram uma ação de marketing de guerrilha no jogo entre Holanda e Dinamarca, no dia 14 de junho. Para a Justiça sul-africana, as duas líderes do grupo cometeram o crime de propaganda ilegal.

De acordo com Luiz Flávio Gomes, o crime de propaganda ilegal "tem um fundo puramente econômico" e seria válido como uma infração de menor potencial ofensivo. No entanto, não deveria ser encarado com muita rigidez, já que "não envolve bem jurídico pessoal relevante". Com informações da Agência Brasil