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Artigo: O povo na calçada

Brasília, 16/09/2010 - O artigo "O povo na calçada" é de autoria do diretor-tesoureiro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Miguel Cançado, e foi publicado na edição de hoje (16) do jornal O Popular (GO):

"Há uma única constante na história política do Brasil: a ausência do povo". Esta frase foi proferida em evento recente, pelo professor Fábio Konder Comparato, um dos nossos maiores pensadores e juristas vivos do País, durante lançamento de mais uma obra sua na sede do Conselho Federal da OAB e, resume, com perfeita clareza, a situação histórica, e cada vez mais agravada, da falta de participação dos cidadãos e eleitores, não só no processo eleitoral, mas, sobretudo, na condução política dos destinos da nação.

Cenas e fotografias, amplamente divulgados pelos marqueteiros de plantão, retratam, com inequívoca precisão, o acerto e a atualidade da afirmação do professor Comparato. Falo da publicidade que se tem dado, até com pueril entusiasmo, das "carreatas" de que se lança mão hoje como um meio eficaz de dar visibilidade às candidaturas. É triste, muito triste, ver campanhas aos pleitos majoritário e proporcional que se aproximam, ou seja, para aqueles que pretendem dirigir os rumos dos Estados e da própria Federação, comemorarem que a carreata por eles comandada teve tantos ou quantos veículos. Que pobreza! Que desrespeito ao cidadão!

Podia aqui, nestas poucas linhas, enumerar um sem número de inconvenientes que resultam para toda a sociedade brasileira desta agressiva prática das campanhas eleitorais, todos absolutamente óbvios, tais como os prejuízos para a segurança e fluência do trânsito, as consequências para o meio ambiente, a poluição sonora, o incômodo que a situação provoca a quem esteja simplesmente exercendo seu direito ao repouso ou mesmo apressado com os afazeres cotidianos. Mas, na linha do comentário com que comecei este texto, vou um pouco além.

Dizer que uma campanha eleitoral vai bem por ter tido uma dezena, uma centena ou mesmo mais de um milhar de veículos, é, na realidade, fazer reduzir a importância do cidadão a nada, é relegá-lo à mera figura de última categoria, deixando-o cada vez mais à margem, e no caso, literalmente e com direito exclusivamente a um tchauzinho, do processo decisório e, principalmente, da discussão dos temas fundamentais que deveriam reger a atuação daqueles que irão exercer o poder.

Certamente que alguém haverá de indagar: se já não podemos fazer comício ou coisas do gênero, se existem tantas limitações na legislação eleitoral, então como conciliar a participação do cidadão com um mínimo de respeito ao seu direito/dever de participar ativamente do processo eleitoral? Ora, não há de ser agindo assim, com a singela exposição de candidatos e apoiadores por pouquíssimos segundos ao passar pelas ruas, avenidas e estradas com as buzinas acionadas e com o rastro de sujeita que tem ficado, que o processo político será aperfeiçoado.

A verdade é que o Brasil precisa enfrentar logo e efetivamente, com coragem, a necessária reforma política, como a motriz das demais reformas pelas quais a sociedade anseia, ou, caso contrário, a descrença, que já domina a olhos vistos a maioria das pessoas, tomará conta do cenário e, com isso, acabam ganhando força as figuras bizarras como os Tiriricas da vida. Esse caminho, o da descrença nas instituições políticas, que percorremos em grande e silenciosa carreata nacional, guarda riscos para a própria democracia que, como se sabe, não se abala somente com a forças das armas de fogo, pois, sabemos todos, há outros meios tão ameaçadores quanto aquelas. Enfim, fiquemos todos atentos e rejeitemos as campanhas naquilo que elas agridem também ao nosso direito à vida saudável."