ARTIGO: D. Timóteo, um pensador do seu tempo

Antonio Menezes do Nascimento Filho
.Foto: Angelino de JesusA Bahia comemora no dia 12/07/2010 o centenário do nascimento de D. Timóteo Amoroso Anastácio, o 77º Abade do Mosteiro de São Bento da Bahia, o mosteiro beneditino mais antigo do novo mundo. Mineiro de Barbacena, viúvo, ingressou na ordem do Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro em 1940, aos 30 anos de idade, portanto, para ser um dos grandes monges do século XX.
Eleito Abade pela comunidade baiana, aqui chegou em 1965, em plena ditadura militar e pode logo sentir o ambiente difícil que encontraria para estabelecer o diálogo entre as autoridades e os movimentos sociais em nosso Estado. A intolerância era a característica de então, pois os políticos situacionistas eram um reflexo da mentalidade ditatorial e anti-diálogo que prevalecia em todo o país. D. TIMÓTEO, homem de espírito democrático, coragem e extrema sabedoria, logo começou a cobrar, a partir do púlpito, um avanço institucional ansiado pela nação, cansada da truculência, do atraso mental e da falta de sensibilidade governamental para entender as reivindicações estudantis e dos movimentos sociais, ligados ou não à Igreja Católica, propondo ainda, em outro giro, um diálogo com as religiões de matriz africana na linha da inclusão dos aspectos culturais locais propostos pelo Concílio Vaticano II.
Fazendo a sua parte, abriu o Mosteiro, estabelecendo diálogo permanente com os humilhados e ofendidos, diálogo este que evoluiu do mundo das idéias para o da práxis. Fortaleceu o movimento dos jovens em torno da liturgia e do cântico, celebrou a Missa do Morro com a atabaques e berimbaus e, em outra vertente, com guitarras elétricas, atraindo uma verdadeira multidão para a Missa das 18 horas, sobretudo de jovens, sempre aos domingos. Acrescente-se que toda a comunidade Beneditina participou desta renovação e as homilias eram o momento maior de clamar pela liberdade!
Revezavam-se no púlpito, semanalmente, D. TIMÓTEO, D. JERÔNIMO SÁ CAVALCANTI, D. MARIANO COSTA REGO e D. NORBERTO SANT’ANNA, enquanto, com seu proverbial carisma, D. BERNARDO LUCAS cantava juntamente com os fiéis ou o próprio Coral de São Bento o fazia, sob a regência do Maestro Hamilton Carvalho Lima. Era a renovação na liturgia. Os grandes temas religiosos sociais e políticos eram discutidos pelos jovens que compunham aquela comunidade e até as obras de arte do cinema italiano eram debatidas com o fervor da juventude que encontrava, no Mosteiro de São Bento, um ambiente da intelligentia para dar vazão a um anseio de liberdade, vedado pela política oficial.
D. TIMÓTEO tratava, nas suas homilias e nos seus escritos, de temas atualíssimos, antecipando uma agenda hoje recorrente no país. Por exemplo, sobre a ecologia dizia: "É, pois imprescindível interromper o ‘trágico mecanismo’ atual de exploração da natureza. E isto só será possível se a ordem política e social for presidida por valores éticos e humanos e triunfar sobre a sedução do consumo indiscriminado. Não se trata de voltar à Idade da Pedra, mas de criar uma civilização sóbria e humana, a serviço da pessoa de cada cidadão. E onde se empenhe decididamente em usar os mágicos poderes da tecnologia e da inteligência para restringir efetivamente os efeitos desastrosos da tecnologia. Não basta, pois, denunciar o assalto à natureza, apenas, porque é um atentado à "nossa" vida. Pois o homem é somente um elemento a mais – embora senhorial e régio – no grande cosmos de Deus. E a ecologia, que nasceu como a ciência do equilíbrio entre o homem e a criação, transforma-se, dentro de uma visão mais ampla, naquilo que um autor espiritual chama de "ecosofia", isto é, uma sabedoria de relacionamento entre tudo que existe." (A Flauta de Deus). Conclui com um pensamento original: "É preciso anistiar não só os homens, mas também a natureza."
Sobre a música: "A música é o domínio dado ao homem para criar, na própria pauta do tempo cosmológico e mecânico; um tempo próprio, não marcado pelo relógio do sol, um mundo sempre novo e imprevisível. A música é tremendamente noturna, precisamente por ser um ato de dominação espiritual do tempo, cavando no solo árido do tempo natural, em que somos prisioneiros de determinismos inflexíveis, no espaço de liberdade, um tempo do espírito, uma furtiva experiência da eternidade livre." (Noturno para Lacerda) E sobre a propaganda: "Penso que o que se esquece, em tudo isto, é que a própria propaganda é uma espécie de dialogo entre o consumidor e a instância ofertante. Ora, diálogo, se conferimos a esta palavra toda a sua riqueza, é reconhecer o outro como outro, amá-lo tal qual é, e não alguém que é preciso conquistar."
Sobre os cristãos e a política: "Com isto caem por terra separações abruptas entre a vida cristã e a vida pública e social do homem cristão. Enquanto ele dá a Deus o que é de Deus, isto é, a totalidade do seu ser, ele, ao mesmo tempo, presta à sociedade que é a sua, o serviço que lhe deve, sobretudo o seu serviço político, como por exemplo, pagando o imposto devido, participando da construção e da evolução e vida da sociedade pelo voto, pela escolha dos representantes populares ou sendo ele próprio um desses representantes profundamente conscientes das suas responsabilidades para com o bem comum do povo." (Agosto/1988).
Enfim, amplo é o acervo religioso, filosófico, político e estético acumulado das experiências do sábio beneditino nas homilias, nos artigos e conferências proferidas, em intensa vida intelectual, na sua estada entre nós, seus discípulos, que ficamos impregnados dos seus ensinamentos cotidianos e dos valores propostos que tornam certa a vitória da vida sobre a morte, do bem sobre o mal, do justo sobre a injustiça, como sentenciava Dom Timóteo: "A lei foi feita para o homem, e não o homem para a lei."
Antonio Menezes do Nascimento Filho
Vice-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional da Bahia