ARTIGO: Conselheiro visita África em missão oficial do Governo Federal

Durval Ramos Neto
.Foto: Angelino de JesusA rápida passagem por alguns países africanos, integrando, como representante do Conselho Federal da OAB, missão oficial do governo brasileiro chefiada pelo Ministro-Chefe da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade (SEPPIR), Edson Santos, confirmou o enorme fascínio que sobre nós sempre exerceu o continente negro. Talvez fosse melhor o chamarmos de continente verde, por lá ainda se encontrarem, junto com a Amazônia, as últimas reservas da fauna e flora do universo.
Ainda combalidos pelos perversos efeitos da colonização predatória, Angola, África do Sul, Moçambique, Camarões, Nigéria e Sudão, estes os países visitados, lutam para encontrar o seu próprio caminho, enfrentando os fantasmas do divisionismo manejado por potências neo-colonizadoras, entre os quais se encontra, contraditoriamente, a China.
Ainda quando a estes e a outros países haja sido concedida, em alguns casos, de forma aparentemente consensual, a independência, como as antigas colônias francesas e inglesas, as ex-colônias portuguesas, como Angola, Moçambique, Guiné Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, derramaram rios de sangue dos seus patriotas para obter a autonomia política.
Dentre os países visitados, vê-se em Angola a "feerie" da reconstrução, bem retratada em Luanda (antiga São Paulo de Luanda), bela cidade capital, num corre e corre do trânsito caótico, de movimentação intensa de pessoas, com um total de 6 milhões de habitantes. Embora a língua oficial seja o português, o povo prefere falar uma das centenas de línguas das respectivas comunidades, que é o que se vê a todo instante na cidade.
A Johanesburgo da África do Sul, com suntuoso aeroporto, já preparado para a Copa, traz a aparência de cidade européia, com belas construções, avenidas grandiosas, bem pavimentadas, a esconder as grandes contradições de um país que busca freneticamente sepultar as graves conseqüências do "apartheid", no qual as distâncias separando negros e brancos ainda são fenomenais.
Em Moçambique, cuja capital, Maputo, antigo Lourenço Marques, lembra a Salvador de dois andares (característica das cidades portuguesas da época), é uma perola do Índico, bem menos efusiva e, no bom sentido, explosiva, que Angola, mas que vai, pouco a pouco, sem as mesmas riquezas minerais, encontrando caminho de redenção dos problemas do passado.
As sequelas tanto das lutas de libertação quanto das guerras civis em Angola e Moçambique ainda são visíveis pelas ruas das suas capitais, onde ainda transitam, sem a mesma frequência de outrora, os mutilados de guerra, por balas e minas terrestres, em roupas andrajosas, a esperar a insuficiente ajuda governamental. E aonde também se vêem, romanticamente, ruas com os nomes de grandes pan-africanistas, como Julius Nierere (Tanzania), Patrice Lumumba (Congo), Sekou Touré (Guiné Conakry), Kenneth Kaunda (Zambia), entre outros, além de Mao Tse Tung, Kim Il Sung e Lenin.
Em Yaoundé, capital da Republica dos Camarões, é comum ouvir-se a referência a ser este o país verdadeiramente africano, onde se situam importantes reservas de fauna e flora, grandes florestas e savanas, falando-se na parte sul o francês e na parte norte o inglês, muito embora ali também o povo prefira comunicar-se nas línguas tradicionais das diversas etnias existentes, como em toda a África.
A Nigéria, talvez o mais complexo e mais rico de todos, detentor de enormes reservas petrolíferas, espelha terrível potencial de explosões de inconformismo político, dada a frequência de golpes militares que se sucederam ao longo de sua história, em razão de constantes pleitos de separatismo, do que foi exemplo a guerra de Biafra, ocorrida nos fins dos anos 60. É um país dividido ao meio entre muçulmanos ao norte e cristãos ao sul, que mantêm precário entendimento político. Fala-se, ainda agora, da possibilidade de divisão em duas nações independentes, uma muçulmana e outra cristã e animista, ao modo do Paquistão e Índia, um crasso erro histórico.
O Sudão é de todos os países visitados, o mais islâmico, onde prevalece a maioria de 90% de adeptos de Maomé, preponderante no norte e um pouco mais escassa no sul, onde o sistema jurídico é baseado, preponderantemente, na Sharia do Corão. Assim, mulheres usam obrigatoriamente véus, é proibido o uso e o comércio de bebidas alcoólicas e os homens, sob o calor de 52 graus centígrados à sombra, ousam vestir aquelas roupas compridas e calorentas. Kartum, com mais ou menos 6 milhões de habitantes, é a linda capital, no ponto de encontro do Nilo Azul com o Nilo Branco, formando o grande Nilo, berço de tantas civilizações.
Em todos estes países visitados, observa-se a indisfarçável precariedade dos instrumentos de acesso à justiça, a pouca institucionalização da advocacia pública e privada, da defensoria pública, do Ministério Público independente, salvo na África do Sul, onde prevalece o sistema anglófilo da "common law", sem desprezo aos costumes baseados nas tradições centenárias das diversas etnias que a povoam.
Embora repúblicas, com exceção da África do Sul e Nigéria, estes países são comandados por presidentes que já permanecem no poder há bastante tempo, ao pretexto de consolidação dos pós guerras civis (Angola, Moçambique), de conflitos atuais (Sudão) ou de realização de objetivos políticos incentivadores do continuísmo (Camarões).
A África sempre foi e continua sendo explorada por potências hoje economicamente imperialistas, a extrair do seu solo fantástica riqueza mineral, de diamantes, ouro, prata, petróleo a outras preciosas matérias primas.
Os colonizadores de ontem e de hoje aproveitam-se da forte diversidade étnica para dividir o continente em pequenas repúblicas ("divide et impera"), com o indisfarçável objetivo de dominação. Ainda agora incentivam a divisão da Nigéria, para enfraquecê-la. Também o fazem no Sudão, sobre o qual a mídia ocidental derrama tintas aterrorizantes de genocídio em Darfur, onde na realidade exacerbam-se artificialmente as diferenças étnicas e religiosas conducentes à terrível luta de guerrilhas que intranquiliza o sul do país, muito embora no momento a situação esteja tranquila, a ponto de haver sido projetada nossa visita àquela parte da nação sudanesa, afinal abortada.
Muito mais se poderia falar do grande continente negro, sobretudo dos sistemas jurídicos existentes, da atuação advocatícia, das instituições judiciárias enfim. Mas não neste reduzido espaço à guisa de primeiro informe. Comprometemo-nos a trazer ao conhecimento dos advogados baianos relatório que enviaremos ao Conselho Federal da OAB, mais circunstanciado e dirigido ao fortalecimento dos propósitos de integração internacional da advocacia brasileira.
DURVAL RAMOS NETO
Advogado, Procurador do Estado e Conselheiro Federal da OAB