A Justiça tarda, e provoca filas
O segundo dia de trabalho dos servidores do Poder Judiciário da Bahia após o fim da greve foi de muitas reclamações dos cidadãos soteropolitanos, que corriam para sanar pendências junto aos cartórios da cidade. Na manhã de ontem, muita gente chegou cedo à procura dos serviços oferecidos pela Justiça e foi preciso paciência para enfrentar as longas filas. Nas mãos dos advogados, pilhas de processos acumulados ao longo dos 37 dias em que durou a greve, era o retrato dos transtornos provocados pela paralisação.
No escritório da advogada Tainara Reis, 48 processos foram acumulados durante o período de greve. Para conseguir dar entrada em tantas ações, Reis precisará gastar três dias. "Já vim aqui na terça-feira com 20 processos, hoje (ontem) trouxe mais 20 e terei de voltar amanhã (hoje) com outros oito restantes. Tudo para ser dado entrada ainda", afirmou ela, que esteve no Fórum Rui Barbosa.
Com 20 ações a serem impetradas na Justiça, a advogada precisou de quatro fichas de atendimento. "Isso porque é permitido apenas dar entrada em cinco processos por vez. O pior é que não posso pegar fichas contínuas – como 10, 11, 12 e 13 – sou obrigada a pegar números alternados. Estou aqui desde as 8 horas e sei que precisarei ficar o dia inteiro para conseguir dar entrada nesses 20 processos", conformou-se.
Somadas as entradas em ações, consultas de processos e também audiências, que foram adiadas por conta da greve, Tainara calcula que serão necessários três meses para que o trabalho no escritório seja normalizado. "No mínimo, uns três meses porque tivemos audiências adiadas, estamos sem consultar muitos processos e, ainda, esse atraso na entrada dos outros processos. Para se ter uma ideia, com o funcionamento regular da Justiça, são cerca de 10 processos por semana em nosso escritório", contou.
Também no Fórum Rui Barbosa, o motorista Paulo Oliveira Santos, 48, pretendia dar entrada em uma ação. "Estou com tudo pronto há quase 40 dias, só preciso mesmo dar entrada neste processo. Vim ontem, no primeiro dia de funcionamento depois da greve, mas as filas estavam dando volta e, por isso, deixei para hoje. Minha senha é 167, mas ainda estão no número 59. Espero, pelo menos, conseguir ser atendido", disse.
No cartório que funciona na Fundação Politécnica o movimento também foi intenso. O industriário Carlos Alberto Machado, 53, já esperava por mais de quatro horas pelo início do atendimento. "Cheguei aqui cedo pensando que eles iriam funcionar pela manhã para compensar o período de greve, mas me decepcionei. Estou com a ficha 18, mas o atendimento começa apenas a partir das 12h30", reclamou. Para Machado, a lentidão do serviço é um problema comum ao funcionalismo público. "Essa lentidão é normal e o pior é que não tem nada a ver com a greve. Todo serviço público, infelizmente, é assim", completou.
Já o autônomo Arnaldo Lima Costa, 55, ficou sem ficha de atendimento e precisou aguardar até às 15h, quando novas fichas começariam a ser distri
buídas. "Não consegui pegar as fichas que distribuíram pela manhã e agora eu vou ter que voltar aqui de tarde, pois eles voltam a distribuir as senhas a partir das 15h", conformou-se.
Falta de funcionários no Sumaré
No cartório do Shopping Sumaré, na Avenida Centenário, um aviso afixado à porta informava aos cidadãos a falta de funcionários para a realização dos serviços de reconhecimento de firma e autenticação de documentos. A situação fez com que o cartório não funcionasse no dia 15. Ontem, o atendimento – conforme aqueles que procuraram os serviços – foi lento. "Um absurdo. Ontem (terça-feira) estive aqui para autenticar um documento e tive de voltar. Preciso conseguir fazer isso hoje, pois não tenho dinheiro para ficar indo e voltando o tempo todo. Cheguei aqui 8 horas e o atendimento vai começar apenas a partir de 12h30", criticou a professora Ligia Maria Santana, 54.
O autônomo Carlos Silva, 50, também criticou o atendimento no local. "Eles fazem greve, reivindicam os direitos deles, mas não pensam nos nossos direitos. Onde estão nossos direitos? Também temos direito à informação e serviço de qualidade", afirmou.
A greve dos servidores do Poder Judiciário da Bahia durou 37 dias, sendo encerrada após assembleia realizada na última segunda-feira. A decisão foi tomada depois que a principal reivindicação dos trabalhadores, a derrubada do projeto de lei estadual que estabelece a criação das gratificações por Condições Especiais de Trabalho (CET) da categoria, foi atendida - o projeto foi aprovado pela Assembleia Legislativa baiana na última quinta-feira - e após a Justiça decretar a ilegalidade do movimento e determinar que os sindicatos da categoria pagassem R$ 30 mil por dia de paralisação.
O projeto de lei que cria a CET também previa a ampliação da jornada de trabalho dos servidores para 40 horas semanais, sem alteração salarial, mas o artigo foi retirado do texto antes da votação. Segundo a assessoria do TJ, um plano de cargos e salários está sendo construído, junto com os sindicatos da categoria, para adequar a folha de pagamentos às determinações da Lei de Responsabilidade Fiscal.